João era uma pessoa como outra qualquer. Levava vida simples, casado, com filhos e um trabalho que lhe permitia levar uma vida razoável, sem luxos mas também sem grandes necessidades.
Um dia, envolto em grandes elucubrações íntimas, procurava uma resposta ou respostas para as crises existenciais. Será que a vida continua pos mortem? Se sim, como é que acontece? Onde está a justiça divina perante tanta dissemelhança?
Como que por encanto os livros espíritas apareceram-lhe no caminho. Devoro-os, um a um, identificando-se de imediato com esta filosofia de vida esclarecedora e consoladora.
Integrou-se em várias actividades espíritas, com alegrias, êxitos mas também alguns fracassos. Nem sempre o relacionamento humano é o desejável e a lei das afinidades também fala mais alto, mesmo entre os espíritas. É da natureza humana.
Começou a “cansar-se”. Era incompreendido, dizia ele. Noutras alturas não tinha tempo, retorquia, para o trabalho de apoio ao próximo.
Múltiplas actividades foram surgindo no seu caminho. No meio do desencanto foi pegando uma a uma, deixando para trás aquilo que tanto o entusiasmara anos antes.
Envolto num frenesim diário, a ansiedade e a irritabilidade foram tomando conta dele.
«Não tenho tempo para nada» era a frase mais ouvida da sua boca. Se um amigo convidava para amena cavaqueira «não tinha tempo». Se um familiar ou filho pedia que fossem a determinado lugar respondia invariavelmente: «não tenho tempo». Companheiros de jornada solicitavam-lhe o apoio fraterno nesta ou naquela actividade mas havia que estabelecer prioridades e mais uma vez respondia: «gostava muito mas não tenho tempo».
João foi-se isolando, deixou de conviver com os amigos,
deixou de praticar desporto, deixou de ter vida social,
de tal modo estava mergulhado no seu trabalho e no seu hobby
Um dia, repentinamente, sentiu forte dor no peito. Articulou um berro para chamar pela esposa em busca de auxílio, mas não obteve resposta. Sentiu-se leve e estranho, como que a flutuar. Mais espantoso ainda é que o seu corpo estava deitado no chão, tombado, com a cara para baixo. Passado algum tempo, identificou a situação com o que aprendera na doutrina espírita e verificou que tinha falecido. Entrou em pânico, mas, rapidamente lembrou-se dos benfeitores espirituais. Chorou, relembrando os filhos, a esposa que no trabalho o julgava a caminho do seu emprego. «E agora, meu Deus? E tanto que eu tinha para fazer, logo hoje!...» pensou o João.
Sentiu uma mão suave no ombro. Virou-se e viu um ser muito simpático que o envolvia com um sorriso doce e amigo.
«Vem comigo» disse-lhe o desconhecido amigo. Esse pedido fora como que uma ordem que não conseguia recusar. Sentaram-se numas cadeiras nas imediações do local e como que por artes mágicas, aparece uma tela de cinema. João estava atónito, queria articular mil e uma perguntas, mas o sinal de silêncio feito com o dedo pelo espiritual amigo, fê-lo manter-se calado. Olhou com atenção e, momento a momento, como se alguém tivesse seguido os seus passos silenciosamente ao longo dos seus 53 anos de idade, João pode conferir todo o seu percurso na Terra quando ainda no corpo de carne.
Viu no filme da sua vida todo o bem levado a cabo e todo o bem que ficara por realizar. Ia-se incomodando com tais situações. Mas, o que mais intranquilidade lhe trazia ao coração era a resposta sistemática que dava aos amigos: «Não tenho tempo…, sabes como é, tenho muito que fazer, as obrigações sociais são mais que muitas».
Lembrou-se que não mais veria esses amigos e familiares e desejou ardentemente poder voltar atrás e refazer a vida.
Já era tarde, o tempo passara e os minutos não voltam mais.
Chorou de tristeza, inquieto, até que ouviu a voz doce da esposa: «querido, acorda, que se passa contigo?»
Atónito, acendeu a luz do candeeiro, abriu os olhos e espantado concluiu que não passara de um sonho. «Ufa! Que alívio!... Pensou…»
Disse à esposa que fora um mero pesadelo que não se preocupasse e voltaram a dormir. Aquele foi o último dia da vida do João, já que no dia seguinte, como que renascera, recomeçando nova vida, com novas prioridades, valorizando mais as relações humanas que os trabalhos em que se integrara.
Sabendo que todos nós temos um pouco do João, até que ponto precisaremos de passar pela mesma situação para reflectirmos em torno da necessidade da sociabilidade, dos convívios fraternos, dos contactos humanos, dos passeios na natureza, enfim de uma vida equilibrada onde possamos finalmente dizer a um convite para uma conversa: «Há quanto tempo esperava esta oportunidade! Vamos a isso...»
in Jornal de Espiritismo nº 14, http://www.adeportugal.org/
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dezembro 17, 2009
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