Outra vez o
telefone!!! Por vezes apetece-me desligá-lo de vez, mas… ele faz tanto jeito… “Está? Bom dia, como vais?”, Esta frase
prolongou-se por uns longos 36 minutos de conversa, em que o monólogo que vinha
do outro lado ganhou por 10-0, à tentativa de diálogo. Ouvi, e fiquei feliz por
verificar que já consigo ouvir… estou a aprender algumas coisas, nesta vida
(sorrisos…)!
Um casal na casa
dos 70 anos. As queixas do costume: “ele está
insuportável, não o consigo aturar, não sei se aguento mais, qualquer dia vou
embora, sem saber para onde e como.” Numa quase vã tentativa de opinar, lá
para a 12ª tentativa, consegui “meter a ficha” e dizer qualquer coisa, no meio
daquele rol de mágoas, ressentimentos, queixumes.
Falámos dos
momentos de namoro deles, do casamento, do nascimento dos filhos, das alegrias,
dos êxitos materiais, das oportunidades desta vida.
Do outro lado, lá
vinha “pois é, foi tão bonito, quem me dera
que fosse assim, mas agora é diferente, é uma tristeza”.
Vejamos o coleccionador de carros antigos.
Antes de serem
antigos, eram modernos, fonte de todos os prazeres na condução, úteis. Depois,
perderam a graça, ficaram velhos, uns sem peças, outros para a sucata, já não
prestavam, diziam, pois outros modelos mais modernos tinham vindo para o seu
lugar.
No entanto, há
sempre quem seja obstinado, quem não desista de limpar e consertar o
carburador, meter uma mola nova, um retoque na pintura e, quando se dá por ela
temos um carro de colecção, extremamente valioso, que os outros ambicionam mas
não conseguem comprar, pois o preço é exorbitante e raramente está à venda. Os
donos dessas donas Elviras, quase sempre dizem que não os vendem, pois ali está
um bocado do seu ser, do seu sentir, da sua vida. A analogia, surgida
repentinamente, não podia ser mais certeira.
Na vida, temos o
carro físico (o corpo de carne) que, quando jovem é bonito, activo, socialmente
aceitável. De repente, é preciso mudar uma peça ou outra. Não é possível. Tem
de ser remendado, num Hospital qualquer, através da gentileza e da competência
de um cirurgião.
O Homem almeja por
se reformar para ser feliz, trabalha contra a vontade. Chegou a hora da reforma
e ele estertora, sem objectivos de curto, médio e longo prazo. Não vive,
sobrevive, e como não se sente bem, tem de descarregar o seu mal-estar,
frustrações, em alguém. Curiosamente, esse lixo tóxico, mental, é lançado sobre
aquele que escolhemos para parceiro de uma vida. Um paradoxo da existência
Humana.
De repente, outra
frase que lera há dias, baila na mente: “a
gentileza do entendimento”.
É possível amar, entender, compreender quem
nos agride e permanecer sereno.
É tudo uma questão de treino.
No meu cérebro, uma
espécie de tornado de ideias nobres vão emergindo, do subconsciente ao
consciente: “nunca discutir”, “mais vale ser feliz do que ter razão”, “não critique, auxilie”, “não acuse, ampare”, “não grite converse”, “ninguém gosta de ser criticado”, “tudo passa”…
Afinal é fácil
viver em conjunto.
Penso no personagem
incrível que foi Jesus de Nazaré, na sua paciência inesgotável no falar e no
agir, trazendo, através da sua psicoterapia superior, as pílulas do
entendimento, os comprimidos da paciência, as cápsulas da aceitação da vida,
com a sua dinâmica em cada fase, o solvente da indulgência para com as faltas
alheias, sem ser conivente com o erro.
Do outro lado do
telefone, a voz da minha interlocutora voltou, mais calma: “Ah, quem me dera que fosse assim o mundo!”
É fácil, basta que
cada um, no seu mundo íntimo se dedique a fazer ao próximo o que gostaria que
lhe fizessem, a amar as pessoas como elas são, mesmo que discordem das suas
ideias, que se veja que quando alguém rabuja, estrebucha, se queixa, está
apenas, no seu grau de infantilidade espiritual, a pedir que o amem…
O Amor, nos seus
inúmeros níveis é sempre um banho de bem-estar que podemos fruir, através da
prece sincera, espontânea, da leitura edificante que nos deixa marcos para o
dia-a-dia, da meditação em torno do assunto...
Relembrando os
momentos bons de outrora, podemos suavizar os mais difíceis de agora, na
certeza de que amanhã, estaremos noutra estrada da vida, em nova aurora
existencial. “Amai-vos uns aos outros”, sugeriu meigamente Jesus de Nazaré, há
dois mil anos!
Porque esperamos?
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