Divaldo Franco: Os Centros Espíritas...


8 – Desde a década de 70 que Divaldo vem a Portugal. Houve um crescimento do movimento espírita. Na sua opinião, foi crescimento quantitativo ou qualitativo?
DF – Desde a 1ª vez que eu estive em Portugal, em 15 de Agosto de 1967, fascinou-me a coragem dos espíritas portugueses, porque estavam vivendo os dias amargos da ditadura, ditadura que recolhia ao cárcere aquele que se denominasse maçon, comunista ou espírita.
Quando eu tive a oportunidade de proferir a conferência na Rua da Fé, na casa de Arganil, foi-me dado o direito de apresentar-me, estavam cerca de 400 pessoas sedentas de informação.
Eu denominei esse período como o período subterrâneo das investigações e da cultura portuguesa.
Eduardo de Matos publicava uma revista, “Fraternidade”, através da qual, de maneira discreta, divulgava o Espiritismo.
Isidoro Duarte Santos publicava “Estudos Psíquicos” e, através de uma linguagem científica, da Metapsíquica e da Parapsicologia nascente, ele procurava infundir nos corações humanos a crença.
O movimento espírita português, nas catacumbas, veio a lume assim que a ditadura se transformou em que Portugal, depois da revolução dos cravos. Adquiriu os seus direitos de cidadania, paradoxalmente começando a sua democracia através do comportamento comunista, o que não deixa de ser bastante contraditório.
Vejo que o movimento espírita português progride, em quantidade e em qualidade. Afinal, do ponto de vista filosófico, tudo aquilo que cresce em quantidade, perde em qualidade. Se derramamos um líquido sobre uma superfície, ele espalha-se e não tem profundidade. Se colocamos num vasilhame, mantém o volume, mas tem profundidade.
Observando o que vem acontecendo em Portugal, especialmente depois deste congresso mundial que vivenciámos (8º CEM, em 2016, Lisboa) e que eu considero, em qualidade, o melhor a que eu já assisti (e assisti a todos, com excepção apenas da Guatemala), vemos que há um interesse muito grande.
Excepções, problemas, dificuldades, em que área não existem?
Aliás, é muito saudável discrepar, porque isso dá-nos a ideia de liberdade de comportamento.
Posso asseverar que Portugal, segundo as minhas observações, é o país com o maior número de espíritas militantes, em qualidade e em quantidade, depois do Brasil.

9 – No tempo da ditadura, o Divaldo foi considerado “persona non grata” por ter recebido uma psicografia ditada pelo Espírito de Monsenhor Alves da Cunha, em que previa o banho de sangue que viria no pós-revolução em Angola. Quer relatar alguma situação caricata ou engraçada, que tenha passado em Portugal, antes de ser proibido de entrar no país?
DF – Tive muitas situações, porque o Espiritismo era visto como bruxaria, e recordo-me de um lugar perto de Viseu, uma aldeia chamada Encoberta.
A reunião foi marcada para a meia-noite, porque dessa forma não chamava a atenção das pessoas. A futura sogra do nosso querido e devotado Coronel Costeira, abriu as portas da sua casa, correu riscos, ela era médium. As pessoas começaram a chegar às 23h00, às 24h00 cheguei eu para efectuar a conferência.
Igualmente em outras cidades, as reuniões eram feitas de uma maneira muito especial. Eram normalmente em residências muito frequentadas, ou em lugares que não chamassem a atenção. Na cidade de Santarém, tivemos a oportunidade de realizar o nosso trabalho no quarto de uma costureira. Num momento, quando eu disse uma frase de efeito, as pessoas levantavam as mãos e abanavam-nas.
Eu fiquei chocado, não tinha a menor ideia do que fosse.
O gesto repetiu-se várias vezes.
Ao terminar a conferência, eu perguntei ao amigo Casimiro o que significava e, ele disse: “Bem, como não podemos aplaudir com barulho, isto é um aplauso.”
Achei sui generis e, muito peculiar.
  
10 – Sendo realistas, actualmente a maior parte das palestras nos centros espíritas são aborrecidas e afastam os jovens e os adultos que ali chegam por curiosidade.
É possível melhorar isso?
DF – No nosso caso, no Brasil, a Federação Espírita Brasileira, vem elaborando métodos, técnicas, programas e outras espécies de actividades, para atraírem os jovens.
O que não devemos fazer é utilizarmo-nos de métodos profanos e vis, para os atrair enganosamente, colocando música Funk, bailes, bebidas alcoólicas, que nós consideramos perniciosas à saúde. Não iremos atrair uma massa pela sua quantidade, iremos atrair os indivíduos, pelos valores de que se revestem, e da grande necessidade que têm de uma vida cultural e espiritual muito elevada.
Nós temos muita preocupação com a cultura, no entanto não posso olvidar da minha mãe, que era analfabeta. Eu li-lhe toda a codificação e todas as revistas espíritas, de 1858 a Março de 1869.
Ela tornou-se espírita, não falava correctamente a língua, mas a sua conduta moral, a educação dos 13 filhos, são invejáveis.
É exactamente isso, que todos os religiosos, filósofos, pensadores, divulgadores e fazedores de opinão desejam, fazer com que a criatura humana seja muito mais feliz.
Por hábito, eu tenho um conceito pessoal, eu prefiro um indivíduo ateu, de carácter nobre, cidadão, ao indivíduo religioso, de qualquer matiz, inclusive espírita, sem carácter.
Desta forma, rejubilo-me com essas conquistas que o Espiritismo vem realizando, através de todos os meios ao nosso alcance.

11 – Que pensar das práticas que, em Portugal e em todo mundo, em alguns centros espíritas, se fazem sessões de “cura”, inclusive promessas de cura da depressão?
DF – Allan Kardec não se refere a esse assunto, da cura, também não se refere a passes, à água fluídica.
São, naturalmente, contribuições da inteligência humana, porquanto o Espiritismo é uma doutrina que evolui, não é uma doutrina que estanca, que fica onde foi apresentada.
Ela, avançando com o conhecimento, vai adoptando novos métodos.
Eu acredito que a função do Espiritismo está em Allan Kardec, a transformação moral do indivíduo para melhor, sendo hoje, melhor do que ontem e, amanhã, melhor do que hoje, lutando sempre contra as suas más inclinações.
No entanto, porque vivemos na Terra, e temos tantos problemas, as terapêuticas de natureza energética de que o Espiritismo se faz instrumento, ajudam, produzem mudança, auxiliam na mitose cerebral, das células, proporcionam bem-estar e, desse bem-estar emocional, por uma somatização ao corpo físico, advém a saúde.
Mas, não é a meta do Espiritismo.
Sai-se de uma doença, para outra e, afinal, a morte biológica é um fenómeno inevitável.
Pessoalmente, preferimos a transformação moral do indivíduo, sem nos preocuparmos muito com a questão da saúde física.
  
12 – Kardec referia a importância do Espiritismo ser para todas as pessoas, ser uma doutrina universal e universalista. Que pensa dos centros espíritas que usam cânticos de orientação católica nas suas actividades? E se estiver presente um espírita muçulmano? Como o centro espírita deveria ser abrangente?
DF – Kardec perguntou aos Espíritos, se o Espiritismo seria a religião do porvir. A resposta é notável, do ponto de vista da linguagem: “É o porvir das religiões”.
O Espiritismo contribuirá com aquilo que falta a muitas religiões, para terem uma estrutura de lógica.
Como entendermos a reencarnação, acreditando apenas numa existência corporal? Como compreendermos o destino, se nós já nascermos sob a fatalidade de uma tragédia neurológica?
Como entender a fortuna e a miséria?
Como compreender a agressividade, o poder, a desgraça?
Somente através da reencarnação.
Será essa contribuição e outras, que o Espiritismo trará a outras doutrinas religiosas e filosóficas, para que adquiram lógica. Dessa maneira, o Espiritismo não tem muita essa preocupação de ser uma doutrina dominante.
Pessoalmente, acredito que, no porvir, não muito distante, desaparecerão todos os rótulos e, haverá uma filosofia existencial, a boa filosofia.
Cristo não fez o Cristianismo, foram aqueles que o seguiram, que adoptando a proposta de Lucas, dão aos “homens do caminho” o nome de cristãos, e por consequência denominam o grupo como cristianismo.
Então, nós marchamos para uma unidade, e ao mesmo tempo para a diversidade na igualdade, o holograma.
Desta maneira, todas estas questões que são transitórias, irão encontrando lugar comum, que é a unidade, a fraternidade, pouco importante qual a crença que o indivíduo tenha, desde que seja construtor de vidas.




Entrevista concedida à ADEP, em Calpe,
XXIII Congresso Espírita Nacional (Espanha)
em 4 de Dezembro de 2016


Entrevistas
março 26, 2017
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